terça-feira, 16 de outubro de 2012


Nos últimos dias, tenho sofrido um ultraje indefinidamente doloroso. A escassez das chuvas e a durabilidade quase infinita dos tempos secos, só fizeram procriar os pernilongos que habitam os cantos do quarto onde pernoito. O enfado de sentir o sangue espesso sugado pelos microscópicos probóscides desses diabos zombeteiros tem, há dias, corroído minha reles existência. Não suporto a esperança de confrontá-los. Prefiro a rendição silenciosa e consternada. Não ouso sequer um movimento de revolta.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Saudades do amigo e de nossas mazelas antigas, ainda que, quase todas, fossem desprovidas da seriedade do sentido - reclamações amargas de dois adolescentes que, em suas bicicletas velhas, cruzavam a cidade pequena propagando, como discurso político, a vadiagem.
Hoje, o homem habita os ares metropolitanos da grande cidade. Mas ainda confessa saudades da pequenez de nossa cidadela, de sua calmaria, da injunção de um silêncio tão vivo e tão perceptível, da correria simulada dos "caipiras" que insistem, paranoicos, em sustentar uma levíssima semelhança com o caráter metropolitano. Eu prefiro a "vagareza" própria dos que se fiam aos pensamentos. Enfim, saudades. Quem sabe dedico-me, "dia-desses", a uma incursão urbanóide e pouse o meu corpo - hoje, um pouco mais gordo! - nas augustas, nas paulistas, nas pompéias, nos bexigas...enfim, quem sabe?   

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ainda os mesmos leitores. Tenho, ainda, o mesmo rancor, intacto. Posso, ainda, arremessar minhas palavras vazias nas ondas invisíveis da Rede. Aos leitores, meu desespero! Ando irritado com o Estado. E, ademais, ando indigesto com a obrigatoriedade de nossa sujeição às esferas do Estado. Todos esses mecanismos de sujeição. E mais: essa submissão exemplar - cidadania? Essa moralidade do correto! Essa obrigatoriedade de agir corretamente, de pagar o que é devido. Prefiro burlar! Precisamos criar mecanismos hábeis de burla. Estamos velhos. Pagamos, apenas. Melhor evitar contratempos maiores. Pagamos tudo. O mais descabível. Mas pagamos, apenas. Terrível, o pavor de ter o nome excomungado da catequese dos honestos! Conclamemos a morte de todos os princípios! E paguemos, apenas!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre estradas e rodovias. Descobri, hoje, a felicidade de Caco Velho. Brilhante! Ousadamente, pressuponho que Caco seja a gênese de muitos movimentos musicais pós-modernos, no Brasil. O orgulho de ouvir um gênio...

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sobre tristezas e lapelas

Tenho dores na cabeça. Preciso andar, talvez. Preciso. Um pouco de sol. Esquecer os copos. E deitar o corpo em seu cansaço mais legítimo. Andar. Sem a preocupação de retornar cedo. Apenas sair. Ver as ruas nuas de um primeiro de Maio frio. Mas escolhi o quarto. Janelas cerradas. Aldir Blanc. Um travesseiro antigo. O moletom antigo. A mesa fria de um bar que fechou infeliz. Sem conhaque. Sem existência. Sem a significação necessária. Só uma tristeza agonística. Uma tristeza antiga. A mesma, velha e boa tristeza de sempre. A tristeza da existência de todos. Aos que insistem em existências legítimas, sem o entorpecimento das ideologias - a estes! - as tristezas mais nobres.

terça-feira, 27 de março de 2012

Aos que esperam, à espreita silenciosa, minhas palavras e me significam para além da mediocridade segundo a qual, eu próprio, me assumo, eis minha ínfima opinião sobre a existência: cuidem de si. Há um outro em cada um de nós; ou ainda, um outro à espera de nós, em cada esquina, em cada viela, em cada estrada. São tão iguais, o cio e a paz! Palavras de um Cavalcante. Encontrar esse outro, que nos habita. Essa outra. Meu duplo fim. Nunca a existência foi tão repleta de tudo! Encontrar, no outro, essa significação intensa! Uma vida deixada aos cantos e que, agora, somente agora, se levanta, sem o rubor costumeiro da modéstia, e se impõe sobre todos os imperativos dos outros outros. Os que me queriam sempre o mesmo, dos que esperavam minhas previsíveis participações na vida mesma. Um samba aqui, outro acolá. Agora, a ruptura! Não com minha música! Não! Prossigo como dantes: eu e meu violão! Mas com aqueles que queriam sempre o mesmo acorde lá menor, com aqueles que sempre me queriam sob a clausura da liberdade extrema, dos rodopios incontroláveis, das pernas trôpegas, das esquinas malditas, dos sonho feito às pressas, esperando a evidência do fim. Hoje? Levanto. Outros caminhos. Mais severos? Menos Severos? Talvez. Menos, sim, o rubor de assumir os desejos de sempre: filhos e paz e jardins.   

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Chuva. Meu cenário silencioso. Pensamentos. Minha substância, minha essência. Sou pensamento. Cogito ergo sum? Ou sou sentidos? Ou, ainda melhor, sou nada? Sou, apenas. Como? É possível existir para além das definições metafísicas? É possível não haver eu? Como? É possível haver apenas corpo? Pão e vinho. Meu velho violão me olha. Deitado. Deixado? Não. Somos. Esse eu-violão, onde minhas vísceras transmutam-se em cordas. Enfim, somos. 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ode a Saulo Ligo

É noite de lua cheia! Santa Clara me clareia! Me incendeia o coração! 

Difícil, a arte das definições! Ademais, o que são definições

Saulo Ligo, a quem chamo, ousadamente, parceiro, encarna mais uma dessas dificuldades que encontramos pelas calçadas da vida. Como definir, ainda, nas palavras termináveis, sua poesia e sua canção? Como definir, enquadrar nos conceitos entorpecidos pela finitude própria da linguagem, as sensações que nascem, respingam, pululam, infestam olhos, corpo, alma, coração? Somente o tempo sabe  o tempo e a razão. Prefiro me dedicar ao silêncio da audição santa, da audição mais silenciosa e reverente. Ouvir um samba, essa dedicação desenfreada ao profano, ao urbano, em Saulo Ligo, se torna o deleite manso e calmo das revelias da existência mesma. Nele, na sua inspiração paulinhodavioliana, encontramos os versos-descanso de um compositor que aprendeu a vida, na vida mesmo.

Para os desatentos: http://sauloligo.tnb.art.br/
  

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Se você ficar sozinho, pega a solidão e dança (...) Se faltar a paz, Minas Gerais (Marcelo Camelo).

Hoje minhas palavras virão mais soltas. A leveza com que levo minha existência, e sua sinceridade, me servem, aqui, de escudo. Vim só dar despedida (Marcelo Camelo). Preciso escrever um livro. Há uns anos, escrevi uma peça. Dessas mediocridades que escrevemos quando dos enterros de nós mesmo. Esqueci e minha obra se foi com a morte de um notebook enfermo. Quem sabe, o destino? Perdeu-se, enfim, minha grande obra! Agora vivo das pequenas linhas soltas no Parafernália. Misérias para os parcos leitores que tenho. Um aviso: deixem meus escritos tortos! Cuidem de suas existências!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Se faltar carinho, ninho (Marcelo Camelo).

A distância temporal das palavras escritas aqui, no Parafernália, explica-se. O silêncio das palavras que aqui eram lançadas com disciplinada periodicidade, explica-se. Nunca palavras. O que resta às palavras, se o corpo não geme? O que resta? Por isso, nunca as palavras, aqui, saltam antes da sensação desesperada de estar vivo, de estar imundo da existência mesma, sem as máscaras e as hipocrisias do vazio doutras palavras. Eu prefiro o mergulho. A vida mesma, repleta das dores mais essenciais. Nisso, fiz-me sambista que outros. Dor e palavras: eis meu samba sincero.