segunda-feira, 4 de abril de 2016

Da sessão "Silêncios e Álcool". 

Ultimamente, tenho escrito como quem morre. Relendo Nietzsche e sua filosofia escrita na dureza, na debilidade física: Assim - pelo menos - falava Zaratustra. E o modo como escrevo - a fim de sublimar apenas - rebenta e aprisiona qualquer coisa - seja física ou não - em gotas de lágrimas. E, nisso tudo, o álcool, o entorpecimento. Para além da moralidade vigente, prefiro o conforto que reside no esquecimento advindo daquele estado em que alcançamos o "não-sentido", o desprendimento de todos os sentidos íntimos. Escrevo como quem morre, porque não sou lido. E justamente nisso reside a glória própria de meu texto, em sua existência não-existente, na efemeridade de estar sendo escrito apenas - e exclusivamente - pelo seu valor "em-si", pelo seu valor de texto. Meu texto não "pretende". Está sendo escrito, apenas. Quase um autômato, o texto sobrevive, a despeito das condições de seu nascimento. Escrevo como quem morre, porque resido no texto e, quando o escrevo, deixo, ao menos pelo instante ínfimo da escrita, de "ser", de "estar". O texto, neste sentido, representa minha "morte". Escrevo como quem escreve uma carta-suicida. No texto, já não existo. Pela enésima vez, cito (ou parafraseio?) Fernando Pessoa: o único sentido íntimo das coisas é as coisas não terem sentido íntimo nenhum.    

terça-feira, 15 de março de 2016

E só me resta a voz embargada
o gosto asco das garrafas
o trôpego das pernas, as esquinas

Só me resta e restilho da cana
a cama e a casa vazia
E teu silêncio, Guiomar

Só me resta o torpor das vielas
as dores do fígado
as saudades do rato pequeno
o cansaço e o sereno

E me resta o sorriso aflito dos garçons
os botequins
e aquele "adeus" escrito, assim, na frieza das tecnologias