quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Meu peito de pescador

Hoje? Rotinas. Pagamentos. Burocracias que a vida inventada exige. Portas giratórias. Impressão de boletos. Senhas. E a paciência de quedar a vida nos assentos de espera do Banco do Brasil. Ar refrigerado. Olho atento à tela que anunciaria minha hora. C756. Os apitos, aos desatentos. Nos ouvidos, Milton Nascimento. Eu pescador. "Eu que aportei / Nas paragens do desejo". Milton cantando. E eu cercado da segurança necessária àqueles que vivem com as mãos sujas dos papéis, da frialdade, de uma humanidade perdida nas gavetas, da beleza esquecida nas negociações das riquezas de outrem. Havia uma moça bonita. Branca. Aquele branco pálido, saudade de Sol. Há poucos, caminhava pelas vielas do Rio de Janeiro. Madureira, Lapa, Ipanema, Penha. Sol. Em tudo, um pouco de Sol. Na alegria dos botequins, das pessoas gesticulando como italianos, nas praias, nos sambas, nas quadras das Escolas de Samba. "Eu que fiz, dos meus sonhos, meus navios / Eu que fiz velas, de rimas / De canções, o meu pesqueiro / Eu que armei redes de estrelas". Milton. Ainda nos ouvidos. De Sol em Sol. De madrugada em madrugada. E eu? Ainda à espera. C755, anuncia a grande tela. Em minutos, será C756. Eu vou me levantar, dirigir-me ao caixa. Será um homem? Uma moça? Uma moça de beleza pálida, como a outra? C756, anunciada no letreiro. Mais um dia burocrático, cumprido à risca, sem falhas. 430,20 R$. Enfim, mais um mês debaixo de um teto. Onde faço, de minha vida,  arte. É preferível assim.   

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Ando vagabuno. Morrendo, aos poucos. Sem a pressa dos ternos, dos sapatos duros. Com a "vagareza" das pernas que caminham direções indecisas. Em pouco, estarei no Rio de Janeiro. Dois dias, viajo. Uma espécie de estágio para as pernas trôpegas. Lapa. Suas vielas. As personagens que se entrecruzam diariamente. As mesas envelhecidas dos botequins. Cansadas do vapor que está em tudo. Vou. Ser um pouco mais eu, mais vagabundo. Isso me devolve.