quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Manifesto

Contra a insana-idade com que reinou a ideia nas representações pictóricas do mundo! Nada do mundo mesmo! Nada do real. Somente ideias e conceitos. Habitações sinistras em que o vazio se esconde. Contra a espectral forma que assumimos, nós, os “filhos” bastardos dos conceitos! Sonhamos com a filosofia e acordamos inteligíveis. Nós, os que éramos “carne”, matéria dada desde o tempo imemorável. Contra o discurso metafísico – esta grande poiésis! Lembrando Drummond: “A vida apenas, sem mistificação”. Contra os ideais nobres, altivos da caquética filosofia! Contra seu império abstrato e intelectual. Eis o urro de uma estética do toque, dos sentidos, do cheiro e do mau cheiro! A beleza! A antiga beleza! Somente absorvida na materialidade da coisa – e somente afirmada nela. Nada do ideal. Aos diabos com os arquétipos perfeitos! Por uma estética do corpo! Nós, as “putas” da filosofia, os vendidos ao perverso mercado do conhecimento! Criamos conceitos! Arrebatados por deles, neles nos exilamos. Agora, prostrados ante a criatura horrível que se encheu em vida! Esquecemos. Nós os fizemos, os conceitos! Já agora são eles que nos fazem a nós. Contra toda forma de sujeição. O além-homem. Mas esqueçamos isso, por enquanto. Pensemos. Quando nos insurgiremos? Eis o dia! Tratemos do plano!

Para uma desconstrução da idéia. Por um solapar infame das bases estruturais da filosofia ocidental. Esta que, desde sempre, aceitou-se subserviente das representações metafísicas e se dedicou ao lugar mais vil, mais insosso e mais cruel do discurso. Para tal “filha da cultura” conclamemos o enaltecimento do sensível! Conclamemos! Aos berros, aos urros! Com gritarias descontroladas! Como mulheres orgíacas! Eis o sensível! “Ecce”!

Com que sagacidade a idéia apoderou-se do real! Desde Platão, aquele infame! Não! Desde antes – muito antes! Mas aquele grego castrou-se nela espantosamente. Em dois, o mundo. Dois! No primeiro, moravam os “arquétipos”, aqueles perfeitos. Imperavam “senhores”, segundo os quais todos são. O segundo, o “sensível”. Pobre, baixo, reles. Mundos distintos. Um lá, outro cá. O da banda de lá fonte deste, da banda de cá! No de cá, cada coisa que existe é cópia daquele mais nobre que existe mesmo somente pelos lados de lá. Longe – muito longe! Somos todos como cópias imperfeitas! Sim! Cópias imperfeitas! Cópias imperfeitas da idéia! Eis aqui, novamente, a idéia. Velha ranzinza! Sempre aporrinhando o sensível como criança mal educada!

Contra a insensibilidade da idéia, o contato enamorado dos amantes. A nossa redenção! Nas praças, nas ruas iluminadas, nas pouco iluminadas, nas esquinas, nos botecos, nas boates, nas filas de banco, nas lojas, nas fábricas, nos beijos dos enlouquecidos, dos apaixonados. Eis a estética! A estética das sensibilidades! Eis o sentido primeiro – e último – da estética! Esta pobre! Enclausurada nas antigas domesticações da filosofia. Agora, aspirando à liberdade em si mesma se levanta contra a idéia! Insultando-a! A idéia nada possui da coisa mesma, não a representa. A coisa existe. A idéia, apenas uma abstração, uma invenção “humana”, por demais humana, persiste em dizer nada dizendo!

Lembremos Mallarmé, o poeta. Poemas são feitos com palavras, não com idéias. Somente a palavra é matéria, carne, corpo. Idéias são idéias. Idéias são abstrações da palavra. Deturpações da natureza mesma da palavra, a escritura. A carne. Mas nós beijávamos o sentido intelectual das coisas, sem as coisas mesmas. Tocávamos os fantasmas, as imagens! Quedávamo-nos nas idéias, adormecíamos nelas. Nelas habitávamos desde longo tempo. Ignorantes de que cá estávamos de fato. Lembremos Pessoa. “Há metafísica bastante em não pensar em nada”. Para além das representações fantasmagóricas, para além das construções metafísicas, para além das ilusões precárias do discurso, o sensível, o dado, o real. E com que armas travarão os futuros! Nietzsche! Pessoa! Drummond! Glauber! Iñarritu! Eis as armas de uma estética do contato, do sujo, do impróprio!

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